segunda-feira, 31 de maio de 2010

Meu dote


Sempre fui aficionada por livros. Não à toa trabalho com eles. Lê-los nem sempre era o bastante, e assim foi preciso adquiri-los, enfileirá-los numa estante e poder contar sempre com sua presença. Em parte fetiche, em parte amor, o desejo pelo livro me rendeu um biblioteca pequena, singela e fragmentada, mas ainda assim interessante.

Infelizmente, há menos de um ano ela ficou ainda menor. Quando eu e meu namorado decidimos morar juntos, a falta de espaço na casa dele (hoje, nossa) me obrigou a selecionar o que iria comigo e o que – dói até hoje – seria oferecido ao Exército da Salvação.

Dos que dispensei prefiro esquecer para não sofrer, reforçando as estatísticas dos que defendem que a memória é também a arte de olvidar algumas coisas. Os que ficaram comigo, esses escolhi com carinho e alguma coerência. Os principais temas são literatura, filosofia e religião, mas também há espaço para saúde, culinária, psicologia, artes plásticas e cinema. De uma edição fac-símile de segunda categoria de Os lusíadas (mas que eu amo mesmo assim) a um livro com a correspondência trocada por Hannah Arendt e Martin Heidegger que um dia eu hei de ler, quem ficou merece meu respeito e meu compromisso com leituras ou releituras.

O melhor de tudo é ver o namorado admitindo que meu dote, como eu já tinha avisado antes de me mudar, são meus livros: me ajudam a seduzir e dizem quem sou (ou, falando como os sujeitos de marketing, conferem a mim um valor agregado incomensuravelmente maior do que se fossem bolsas Louis Vuitton). O rapaz constatou que se juntava a um misto de perua-light com intelectual – se achou isso bom ou ruim, não sei –, uma mulher que se projeta em seus livros e se orgulha disso.

No mesmo dia da minha mudança, desencaixotei o tesouro que trazia e que certamente sucumbirá ao tempo. Misturei meu Homero com o Dante dele, minha Virginia Woolf com as edições de García Marquez e Cortázar em espanhol; coloquei Drummond ao lado de Manuel Bandeira e com algum estranhamento (agora satisfação) encontrei três edições diferentes do Capital.

Formamos um belo par.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Conclusão por analogia


Pensando em Orlando e em Catherine, comecei a perguntar quando (e se) me travisto de homem. Não é no carnaval, ainda que adore a festa e more no Rio. Sou homem quando escrevo. Não aqui (dá pra ser mais mulher do que sou aqui?), e sim nas histórias que começo e quase nunca termino. De cinco personagens que escolho para narrar, quatro são homens. Isso quer dizer alguma coisa, ainda mais quando me dou conta de que são todos meio cínicos, meio descrentes, uma mistura de Clark Gable em Gone With The Wind com Woody Allen em Annie Hall.
Se esse é o narrador que eu crio, será assim meu lado masculino? E, se o raciocínio prossegue, agora por um ponto de vista junguiano, será essa a minha sombra, o meu Animus? Em português claro: é dessa forma que vejo os homens?
Holy shit, I’m fucked!

Sobre Orlando e Catherine


Jules,

Li Orlando com vinte e muitos anos. Uma Virginia Woolf metafísica criou um personagem de 16 anos que, em viagem pela Turquia, numa manhã como qualquer outra, acordou mulher. Não sem espanto. Teve o direito de atravessar os séculos, viver vidas distintas. Tornou-se imortal para experimentar como há ambiguidade em ser Lord ou Lady, fazer a corte ou ser cortejado, penetrar ou abrir-se.
Inspirado em Vita Sackville-West, escritora com quem Woolf manteve um affair, Orlando incita reles mortais a pensarem se dá pra fazer tantas coisas e agir de formas tão distintas numa vida só. Vita Sackville-West costumava vestir-se de homem quando viajava para a França com a também escritora Violet Trefusis. Por sua vez, Catherine encarnou um rapazote (com bigode e tudo) e saiu para as ruas de Paris ao lado de você e de Jim. Sentiu-se livre ao correr de calças e botas sem salto, ganhou na corrida.
Catherine queria a liberdade máxima, a existência total, e como não era escritora apostava todas as fichas na própria vida, obra de arte moderna com um fiapo de anacronismo, sempre dependente de um homem para venerá-la. O desejo de ser cortejada, desejada e obedecida o tempo inteiro – tão feminino! – fez com que tivesse vários amantes antes de você e outros tantos depois que se casaram. Isso pode ser moderno, mas só naquela corrida ela foi livre. Esqueceu que era mulher.

Quase um nirvana esquecer quem se é, e por isso mesmo só pode durar o tempo de se atravessar uma ponte.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Uma conversa


– Alô.
– Jules?
– Oi, Jo.
– Que voz é essa?
– Estou de ressaca.
– Ahn.
– Tudo bem?
– Queria te fazer uma pergunta, mas talvez você me ache idiota.
– Fala.
– O que motivou você a pedir Catherine em casamento?
– Ahn?
– Por que você queria se casar com ela? Quer dizer: o que fez você largar a vida de solteiro pra se ajuntar a uma mulher louca que nem ela?
– Jo, eu desejava Catherine. Aliás, todo mundo! E ela precisava de alguém que cuidasse dela. Eu me apaixonei, e tinha Jim. Ah, sei lá. Mas que pergunta é essa agora?
– Você não entendeu. Eu quero saber o que leva um homem a querer se casar.
– Essa pergunta é completamente idiota.
– Viu? Sabia.
– O que leva um homem a querer se casar ou a não querer... Pode ser qualquer coisa. Não há regras. Eu amava Catherine, tinha devoção por ela.
– Isso me irritava. Achava que ela te fazia de bobo, e que ao mesmo tempo você não a compreendia.
– Nem eu, nem ninguém!
– Muito menos Jim. Mas esse ela amou de verdade.
– Sim, ela o amava. Tanto que eu, por amar Jim e por amar Catherine, não me opus quando os dois quiseram se casar.
– Deu tudo errado.
– Pois é, mas nós, nós três fomos realmente felizes em alguns períodos. Nada pode ser mais importante que isso. Estávamos casados, os três. Aquilo era um casamento de verdade. Mas doía quando dormiam juntos, claro.
– Imagino. E lá no fundo fico me perguntando... Se vocês não tivessem se casado oficialmente, talvez assim Catherine e Jim ainda estivessem vivos. Ela não teria surtado.
– Eu é que não me culpo por ter sido condescendente o tempo inteiro. Era meu jeito de amá-la. Agora, me diz uma coisa: por que me ligar pra perguntar uma coisa irrespondível?
– Porque outro dia eu tentei me colocar no lugar de You Know Who pra saber por que ele não me pede em casamento. E aí vi que seria impossível pensar como homem.
– Jo, você leu Orlando?

sábado, 22 de maio de 2010

E se eu fosse homem?


Será que iria querer me casar? Cara, pergunta difícil. Não por que eu ache que homens não querem se casar - seria uma tola se pensasse assim e estaria perdendo meu precioso tempo com esse bloguinho. Mas o fato é que eu não pensaria como uma mulher, e isso faria de mim alguém que eu não sou. Ou seja, não consigo imaginar, se fosse homem e quisesse ou não me casar, por que eu assim quereria.
Vou ligar para meu amigo Jules, o sobrevivente. Quero saber o que ela acha disso.

Post hermético


A pergunta que não quer calar neste sábado outonal é: Melhor me calar? Melhor tentar convencê-lo de alguma coisa? Melhor me jogar nos braços dele e beijá-lo longamente? Depende de tantas coisas, mas certamente é melhor ser eu mesma.
A um passo da eternidade ou do nada, um beijo pode ser a glória. A glória dos amantes. Dos amantes, veja bem.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ctrl + Alt + Del ou Por que vale a pena pensar na ideia de eterno retorno


Qualquer pessoa com o mínimo de inteligência sabe que uma vida digna é uma vida de escolhas. Das comezinhas às grandiosas. Dizer sim ou não, virar à esquerda e não à direita, acreditar ou não na vida após a morte, ser Flamengo ou Botafogo – tudo é escolha.
Qualquer pessoa com mais que o mínimo de inteligência sabe que é difícil fazer escolhas. Principalmente as certas. Mas como sabê-las certas? Nietzsche diz que devemos escolher de uma maneira tal que nossa escolha seja por nós sempre desejada. O conceito de eterno retorno é isso: ter vontade de algo, poder ter forças pra bancar essa vontade e, assim, empreender a ação que você gostaria de ver se repetindo infinitas vezes. “Ctrl + Alt + Del”, no eterno retorno, é um recurso desnecessário.
Isso me leva a duas conclusões. Primeira: se a ideia é fazer sempre o que se quer, então o dever vai para as cucuias. Segunda: mesmo depois de ultrapassar a ideia de dever – o que muitas vezes é, pro meu olhar cristão, quase um horror –, há o medo de se arrepender depois de fazer o que se quer e ter que teclar “Ctrl + Alt + Del” pra tentar sair da enrascada.
Sabe o que diz Nietzsche? Se você fez o que realmente quis, e entendeu o valor disso, vai olhar pra trás e se comprazer até na dor. Em outras palavras, essa dor doerá menos.
Sábado à noite, andando pelas ruas da cidade, ouço uma voz familiar chamar meu nome. Desvio o olhar de uma vitrine e me deparo com F., meu primeiro namorado, primeiro também a me pedir em casamento (depois dele foram mais dois, mas isso eu conto em outro post). Na época eu disse não, obrigada.
Ele continua bonitão, mas na verdade não faz o meu tipo; ele ainda é uma pessoa alegre, mas eu desconfio da alegria que é alegre em tudo; ele continua me achando excêntrica e me dizendo o que eu sou e o que eu não sou (!). Não quer enigmas. Não os vê. Por tudo isso, F. continua sem fazer parte do meu mundo.
Há mais de dez anos, terminei com ele num “Ctrl + Alt + Del” de fazer o chão tremer, assumindo que o meu querer era não querer aquele sujeito feliz, demasiadamente feliz. Fui corajosa o suficiente para dizer NÃO à comodidade de classe média alta e de certezas em que a vida ao lado de F. me meteria. Eu queria o mundo, e ele me daria um casamento de primeiro capítulo de novela. Era pouco, muito pouco para uma garota de 21 anos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Balzac não sabia o que era SOP


SOP. Síndrome de Ovários Policísticos. Doença feminina que acomete uma a cada cinco mulheres. Sou uma delas, e trago dois ovários cujos óvulos têm pequenos cistos que dificultam a gravidez sem torná-la impossível, agravam os efeitos da TPM, aumentam a quantidade de pelos indesejáveis e da queda de cabelo e fazem você gastar valiosos minutos na web pesquisando sobre toda essa baboseira.
Minha ginecologista fez desaparecer praticamente todos os sintomas da SOP graças a uma pílula contraceptiva, mas toda vez que vou ao seu consultório, me pergunta: “E quando você vai engravidar? Olha a sua idade, os seus ovários policísticos... Esse negócio de mulher engravidar com 40 anos não é essa facilidade toda que dizem por aí, não, ainda mais no caso dos seus óvulos. Vai esperar o momento certo? Bem, deixa eu te dizer uma coisa: não existe momento certo, Jo. ”
Engulo em seco, digo que primeiro quero fazer aquela viagem pra Itália, que o trabalho na livraria está superintenso, e que ele tem mais medo do que eu. A ginecologista me lança um olhar compreensivo e depois se cala.
Mas tudo bem, até que está bom. Sou uma mulher do século XXI que sofre de SOP, quer engravidar e pode fazer um tratamentozinho básico pra isso. Tenho um namorado incrível que ainda não me pediu em casamento, mas que cuida muito de mim. Posso me dar ao luxo de esperar mais dois, três anos, pra ter um filho aos 35. E é isso aí! Apesar da fome no mundo, do apogeu da tecnociência e do silicone, hoje uma mulher tem mais tempo para tomar decisões que envolvem casamento, filhos e futuro. E isso é maravilhoso.

Quando criou Julie, a mulher que aos 30 anos estava insatisfeita com a tranquila vida burguesa que levava, Honoré de Balzac não tinha o cenário de emancipação feminina à frente, nem o avanço da ciência nos calcanhares. Sequer sonhava em saber o que era SOP. Por isso pôde dar vida a uma personagem que se casou aos 18 sem grandes padrões de exigência e acabou escolhendo o cara errado. Aos 30, Julie já tinha filhos, continuava com o mesmo marido (um chato!), mas estava louca pra se apaixonar e ser livre.
Como homem de seu tempo, Balzac preferiu ver Julie tendo pequenos affairs com homens da respeitável sociedade parisiense do que liberar sua heroína para uma aventura em becos lúgubres ou em terras distantes. Não poderia ser diferente. O que restaria a uma mulher de trinta anos, já casada, em meados do século XIX? Pouco, muito pouco, além de ver a própria beleza esvair-se com o passar dos dias.
A minha também dá sinais de que não é a mesma, mas pele madura, alguns cabelos brancos e solteirice aos trinta e poucos não são mais o fim do mundo. Nem se isso incluir a SOP. Julie já era casada e mãe aos trinta. Sou muito mais vivida do que ela. Viajei, me apaixonei várias vezes, sou apaixonada pelo homem com quem vivo, espero ser pedida em casamento e sonho em ter filhos. Sou uma mulher do meu tempo, embora não possa negar um cheiro de anacronismo no ar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Cartas catárticas


A Soror Mariana Alcoforado, religiosa portuguesa que viveu na cidade de Beja durante o século XVII, é atribuída a autoria das Cartas portuguesas. São cinco. As duas primeiras gotejam mel, expectativa e uma pudica lascívia; as três últimas, o gosto amargo que só conhecem as mulheres que experimentam a angústia da rejeição. Mariana foi uma delas. Escreveu as tais cartas para um militar francês por quem se apaixonou.
Tudo indica, pelo conteúdo dos textos, que a religiosa e seu amado não só chegaram às vias de fato, como juraram amor. Pois o tal francês, chamado marquês de Chamilly, não apenas jurou em vão, como, após deixar Beja, nunca mais pôs os pés lá. Voltou a seu país e casou-se com uma mulher da corte de Luís XIV. Deixou para trás um rastro de silêncio e ausência, sinais que Mariana soube interpretar. Aos poucos, em suas cartas, demonstrou claramente perceber que aquele homem não mais voltaria, e que sequer teria a dignidade de responder suas súplicas.

***

Mariana Alcoforado conseguiu fazer de seus escritos uma obra catártica – e de grande força literária. Por isso suas cartas atravessaram o tempo e ainda suscitam questionamentos. Aí vai um: Certa vez ouvi de um homem tão insensível quanto inteligente que Mariana era uma histérica. Era? Ela só queria se fazer ouvir (ou melhor, ser lida). Mais que isso: queria entender o que havia desandado. Sem resposta, sem qualquer possibilidade de travar uma boa Discussão de Relacionamento com o Chamilly, fez o que qualquer mulher apaixonada faria: falou, falou muito, colocou pra fora.
Longe de me comparar à soror, embora eu até reze de quando em vez, criei Me pede em casamento para exorcizar fantasmas, entender obsessões e – pretensão máxima –ser lida e compreendida por meu namorado. Sou histérica como ela? Somos todas histéricas?
A Mariana restou fazer carreira no convento, escrever, estudar muito e morrer velha. Espero compartilhar desse futuro – tirando a primeira parte, é claro, porque de vocação para o celibato ainda não fui acometida, mas de paciência, sim.

O desenho é de Matisse.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Promessa


Eu juro que não toco mais no assunto CASAMENTO com o meu namorado. Juro.
A promessa é feita em público, pois assim eu ficarei minimamente constrangida em descumpri-la. Chega de indiretinhas e diretaças, chega de olhos nos olhos tentando dizer o óbvio... em vão. Cheeeeeeega! Cansei de me humilhar.
Nunca mais tomarei toco novamente!

domingo, 9 de maio de 2010

Eureka!


Depois de preparar um sopa de abobrinha, cansada de trabalhar o dia inteiro, eu não queria mais ver livro na frente. Nem gente em carne e osso. Restou a TV e a novela das 21h: casamento da personagem de Aline Moraes. Nunca assisto a essa novela (Leblon como ideal civilizatório é demais), mas cena de casamento é, e sempre será, cena de casamento - irresistível!

Tudo corria normalmente. Comentários idiotas, vestidos lindos, decoração também, eu pensando "isso eu usaria, daquilo não gostei"...
Do outro lado da tela, a sopa já tinha acabado e um Merlot singelo desaparecia rapidamente da taça. Eu já desenhava, mentalmente, o vestido dos meus sonhos - algo para se usar de manhã. Foi aí que as irmãs da noiva entraram no quarto e fizeram a pergunta capital: "Você escreveu nossos nomes na barra do vestido?"
Como a Aline Moraes e o Maneco não querem encalhadas por perto, a noiva disse um SIM bem largo, e uma costureira-elenco-de-apoio fez questão de mostrar os nomes das moças escritos com batom na primeira das muitas saias sobrepostas.

Eureka!
Cara, como é que eu, Jo, não pensei nisso antes? Será que alguma de minhas primas ou amigas fizeram o favor de escrever o meu nome na barra do vestido? Pelo andar da carruagem, tou achando que não (eu era orgulhosa demais para pedir isso a elas, e ainda por cima não tinha encontrado o cara certo).
Mas nem tudo está perdido. Uma querida amiga se casa em outubro, e se eu pedir pra ela esse favorzinho, aposto que vai dizer SIM.

P.S.: A moça glamourosa aí da foto é ninguém menos que Julie Andrews em The Sound of Music (A noviça rebelde).
Na barra do vestido dela, eu fico imaginando, havia o nome da enteada (mais velha dos irmãos, a garota paquerava um carinha que depois ia se tornar soldado nazista, mas é claro que não foi com ele que ela se casou).
Mas será que com um vestidão desse ela só ajudou uma solteira? Cabem os nomes do convento inteiro! Já sei. Maria, ex-noviça, coração imaculado, pode ter feito a caridade de escrever "baronesa Elsa Schraeder", nome da aristocrata de meia-idade que quase conseguiu fisgar o capitão Von Trapp. Bondade? Nem só de pureza vive a mulher: esse seria um jeito politicamente correto de garantir que a concorrente desistisse de vez.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Na cozinha


Olha eu aí, cozinhando pro meu namorido. Aliás, quem foi o infeliz que inventou esse termo? Só pode ter sido um homem que não sabia o que queria da vida. Ou uma tia velha, para quem imaginar a sobrinha "morando junto" com o namorado era um golpe duro demais.
Adivinhações à parte, o fato é que eu adoro cozinhar, embora, ultimamente, tenha ficado com uma pontinha de culpa a cada vez que piso na cozinha: tenho que estudar Walter Benjamin, mas muitas vezes, em vez disso, largo a teoria da experiência, a alegoria, a quebra da aura e a filosofia da história – enfim, tudo – e corro a preparar moquecas, saladas, sopas e peixe assado.
Sem falsa modéstia, cozinho melhor a cada dia, e quando vejo a carinha de satisfação dele ao levar um pedaço de suflê à boca, ouço a voz daquela tia velha ecoando dentro de mim e dizendo que "um homem se pega pelo estômago". Será?

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Segunda-feira


Segunda-feira é sempre um dia difícil. Não é fácil abrir uma livraria às nove da manhã, ainda mais depois de passar o domingo lendo Walter Benjamin e visitando sites casamenteiros na web.
Depois que lê Benjamin, você quer salvar o mundo – com pessimismo, é claro, mas quer! Genialmente, ele percebeu que se olharmos para a tradição e atualizarmos o passado, teremos alguma chance contra a filosofia progressista arrolada pelo capitalismo no discurso científico bem nojentinho que reverbera por aí.
Ok, o que é que casamento tem a ver com isso? Tudo! Uma mulher moderna e inteligente quer se casar com cerimônia, festa etc. etc. etc., mas fica de cara quando se depara com a realidade: uma indústria de gente brega vendendo comida brega, decoração brega, convite brega, lógica brega...
Agora, além de conseguir ser pedida em casamento (e começo a desconfiar que, de um ponto de vista dialético, não tenho esse poder), preciso pensar numa festa que respeite a tradição sem ser conservadora, que dê uma banana para cerimonialistas e escroques de plantão, e que não sucumba à lógica do consumo para ser realizada.
Haja materialismo histórico!

domingo, 2 de maio de 2010

Morangos silvestres


Conversei com papai e vovô (esses dois sujeitos adoráveis da foto ao lado) sobre minha vontade de casar. Eles foram uns fofos, sorriram ternamente para mim e falaram com alegria sobre suas festas de casamento. Notei que interrompia uma conversa leve entre pai e filho, o que não é muito o estilo deles. Papai sempre com questões existenciais profundas, vovô em seu autoisolamento característico. Quem os conhece sabe do que estou falando.
Disseram que podem contribuir financeiramente para a festa, mas não me ajudaram no essencial: explicar por que o cara é apaixonado por mim, mora comigo, e não pede minha mão em casamento. Qual o mistério, ora bolas? Olhando para o horizonte, vovô disse que as coisas não são simples. Papai permaneceu em silêncio, o rosto soturno, provavelmente pensando na incomunicabilidade da linguagem humana e em tudo o que isso acarreta na práxis diária.
Foi então que contei a eles sobre este blog. Adoraram. Uma maneira de criar em vez de apenas neurotizar-se, disse meu pai; me dê o endereço, não sou muito bom com internet, mas vou tentar acessá-lo hoje à tarde, vovô falou.
Depois mudamos de assunto, comemoramos a brisa, o calor do sol e os morangos silvestres que nasceram no bosque de nossa casa de campo. Papai e vovô me fizeram esquecer, por alguns momentos, que desejo me casar. Me acolheram, a menina deles.
Naquela tarde, compartilhamos o mundo, eu e meus dois queridos velhos.