sexta-feira, 28 de maio de 2010
Sobre Orlando e Catherine
Jules,
Li Orlando com vinte e muitos anos. Uma Virginia Woolf metafísica criou um personagem de 16 anos que, em viagem pela Turquia, numa manhã como qualquer outra, acordou mulher. Não sem espanto. Teve o direito de atravessar os séculos, viver vidas distintas. Tornou-se imortal para experimentar como há ambiguidade em ser Lord ou Lady, fazer a corte ou ser cortejado, penetrar ou abrir-se.
Inspirado em Vita Sackville-West, escritora com quem Woolf manteve um affair, Orlando incita reles mortais a pensarem se dá pra fazer tantas coisas e agir de formas tão distintas numa vida só. Vita Sackville-West costumava vestir-se de homem quando viajava para a França com a também escritora Violet Trefusis. Por sua vez, Catherine encarnou um rapazote (com bigode e tudo) e saiu para as ruas de Paris ao lado de você e de Jim. Sentiu-se livre ao correr de calças e botas sem salto, ganhou na corrida.
Catherine queria a liberdade máxima, a existência total, e como não era escritora apostava todas as fichas na própria vida, obra de arte moderna com um fiapo de anacronismo, sempre dependente de um homem para venerá-la. O desejo de ser cortejada, desejada e obedecida o tempo inteiro – tão feminino! – fez com que tivesse vários amantes antes de você e outros tantos depois que se casaram. Isso pode ser moderno, mas só naquela corrida ela foi livre. Esqueceu que era mulher.
Quase um nirvana esquecer quem se é, e por isso mesmo só pode durar o tempo de se atravessar uma ponte.
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