sexta-feira, 14 de maio de 2010
Balzac não sabia o que era SOP
SOP. Síndrome de Ovários Policísticos. Doença feminina que acomete uma a cada cinco mulheres. Sou uma delas, e trago dois ovários cujos óvulos têm pequenos cistos que dificultam a gravidez sem torná-la impossível, agravam os efeitos da TPM, aumentam a quantidade de pelos indesejáveis e da queda de cabelo e fazem você gastar valiosos minutos na web pesquisando sobre toda essa baboseira.
Minha ginecologista fez desaparecer praticamente todos os sintomas da SOP graças a uma pílula contraceptiva, mas toda vez que vou ao seu consultório, me pergunta: “E quando você vai engravidar? Olha a sua idade, os seus ovários policísticos... Esse negócio de mulher engravidar com 40 anos não é essa facilidade toda que dizem por aí, não, ainda mais no caso dos seus óvulos. Vai esperar o momento certo? Bem, deixa eu te dizer uma coisa: não existe momento certo, Jo. ”
Engulo em seco, digo que primeiro quero fazer aquela viagem pra Itália, que o trabalho na livraria está superintenso, e que ele tem mais medo do que eu. A ginecologista me lança um olhar compreensivo e depois se cala.
Mas tudo bem, até que está bom. Sou uma mulher do século XXI que sofre de SOP, quer engravidar e pode fazer um tratamentozinho básico pra isso. Tenho um namorado incrível que ainda não me pediu em casamento, mas que cuida muito de mim. Posso me dar ao luxo de esperar mais dois, três anos, pra ter um filho aos 35. E é isso aí! Apesar da fome no mundo, do apogeu da tecnociência e do silicone, hoje uma mulher tem mais tempo para tomar decisões que envolvem casamento, filhos e futuro. E isso é maravilhoso.
Quando criou Julie, a mulher que aos 30 anos estava insatisfeita com a tranquila vida burguesa que levava, Honoré de Balzac não tinha o cenário de emancipação feminina à frente, nem o avanço da ciência nos calcanhares. Sequer sonhava em saber o que era SOP. Por isso pôde dar vida a uma personagem que se casou aos 18 sem grandes padrões de exigência e acabou escolhendo o cara errado. Aos 30, Julie já tinha filhos, continuava com o mesmo marido (um chato!), mas estava louca pra se apaixonar e ser livre.
Como homem de seu tempo, Balzac preferiu ver Julie tendo pequenos affairs com homens da respeitável sociedade parisiense do que liberar sua heroína para uma aventura em becos lúgubres ou em terras distantes. Não poderia ser diferente. O que restaria a uma mulher de trinta anos, já casada, em meados do século XIX? Pouco, muito pouco, além de ver a própria beleza esvair-se com o passar dos dias.
A minha também dá sinais de que não é a mesma, mas pele madura, alguns cabelos brancos e solteirice aos trinta e poucos não são mais o fim do mundo. Nem se isso incluir a SOP. Julie já era casada e mãe aos trinta. Sou muito mais vivida do que ela. Viajei, me apaixonei várias vezes, sou apaixonada pelo homem com quem vivo, espero ser pedida em casamento e sonho em ter filhos. Sou uma mulher do meu tempo, embora não possa negar um cheiro de anacronismo no ar.
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Fico imaginado como Balzac retrataria nosso tempo, nossos personagens, nossos absurdos...
ResponderExcluirQue bom que quer ter filhossss!
"namorido" disse...
ResponderExcluirOlha a TPM!