quarta-feira, 12 de maio de 2010

Cartas catárticas


A Soror Mariana Alcoforado, religiosa portuguesa que viveu na cidade de Beja durante o século XVII, é atribuída a autoria das Cartas portuguesas. São cinco. As duas primeiras gotejam mel, expectativa e uma pudica lascívia; as três últimas, o gosto amargo que só conhecem as mulheres que experimentam a angústia da rejeição. Mariana foi uma delas. Escreveu as tais cartas para um militar francês por quem se apaixonou.
Tudo indica, pelo conteúdo dos textos, que a religiosa e seu amado não só chegaram às vias de fato, como juraram amor. Pois o tal francês, chamado marquês de Chamilly, não apenas jurou em vão, como, após deixar Beja, nunca mais pôs os pés lá. Voltou a seu país e casou-se com uma mulher da corte de Luís XIV. Deixou para trás um rastro de silêncio e ausência, sinais que Mariana soube interpretar. Aos poucos, em suas cartas, demonstrou claramente perceber que aquele homem não mais voltaria, e que sequer teria a dignidade de responder suas súplicas.

***

Mariana Alcoforado conseguiu fazer de seus escritos uma obra catártica – e de grande força literária. Por isso suas cartas atravessaram o tempo e ainda suscitam questionamentos. Aí vai um: Certa vez ouvi de um homem tão insensível quanto inteligente que Mariana era uma histérica. Era? Ela só queria se fazer ouvir (ou melhor, ser lida). Mais que isso: queria entender o que havia desandado. Sem resposta, sem qualquer possibilidade de travar uma boa Discussão de Relacionamento com o Chamilly, fez o que qualquer mulher apaixonada faria: falou, falou muito, colocou pra fora.
Longe de me comparar à soror, embora eu até reze de quando em vez, criei Me pede em casamento para exorcizar fantasmas, entender obsessões e – pretensão máxima –ser lida e compreendida por meu namorado. Sou histérica como ela? Somos todas histéricas?
A Mariana restou fazer carreira no convento, escrever, estudar muito e morrer velha. Espero compartilhar desse futuro – tirando a primeira parte, é claro, porque de vocação para o celibato ainda não fui acometida, mas de paciência, sim.

O desenho é de Matisse.

Um comentário:

  1. Ótimo post!
    Por isso que você tem um namorado: mulher inteligente, com cultura, com conteúdo!!!
    E paciente, ainda por cima...

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